Hits Brazil
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Nos dias de hoje, onde uma banda lança uma música e,
em questão de minutos, ela corre o mundo todo via Internet, é quase
inconcebível que, há poucas décadas, as gravadoras sediadas no Brasil
demoravam meses para lançarem músicas que estavam estourando no mercado
internacional, tanto que os DJ’s das rádios precisavam ter contatos com
quem viajasse constantemente para o exterior para ter acesso a tais
músicas. Não era incomum que radialistas ou músicos apelassem para
aquele amigo piloto da Varig para ter em mãos o mais recente lançamento
de sua banda preferida e suprir a juventude de então, que embalada pela
euforia do milagre econômico, procurava se identificar com um som mais
moderno, mais “prafrentex”.
Em suma, havia uma demanda comercial por músicas
“internacionais”, nem sempre atendida a contento pelas gravadoras que
detinham os direitos de publicação aqui na Terra Brasilis. E
tal demanda foi satisfeita em boa parte graças a nossa capacidade
inerente de improvisar e adequar, nosso famoso “jeitinho”. Sim, nós
mesmos começamos a produzir localmente músicas em inglês, vendidas como
se, de fato, fossem legítimo artigo cultural importado. E não se
limitavam a simples “covers” de bandas mundialmente consagradas, pois em
diversos casos se compunha e gravava no idioma de Shakespeare, usando
pseudônimos igualmente inspirados, e por vezes até se exportava o
sucesso. Um misto de improviso, criatividade e cara de pau, já que os
produtores e gravadoras procuravam ocultar do público que tais músicas
eram compostas e cantadas por brasileiros, temendo que o encanto se
quebrasse e o público não os consumisse. Esse movimento musical ficou
posteriormente conhecido como “Hits Brasil”, movimento esse que é pouco
lembrado quando se fala da história recente da nossa música popular,
algo tão interessante e fascinante quanto movimentos como a Bossa Nova,
Tropicália ou a Jovem Guarda,
mas que não costuma ser tão levado a sério. Isso foi em parte sanado
pelo lançamento ano passado do livro “Hits Brasil – Sucessos
‘Estrangeiros’ Made in Brazil”, de Fernando Carneiro de Campos. Pela
leitura do livro, percebemos que o autor é um apaixonado pelo tema e um
saudosista de mão cheia, e que não poupou esforços em coletar material
ao longo dos últimos anos e de correr atrás de entrevistar os inúmeros
protagonistas dessa fase divertida e pitoresca. O autor preferiu dividir
o livro de tal forma que cada capítulo trata de uma banda ou artista
específico, além de ser dividido em duas partes.
A Era de Ouro das Domingueiras
Na primeira parte Fernando Carneiro explora a
história das bandas que fizeram sucesso nas “domingueiras” nos clubes
paulistas, o verdadeiro embrião desse movimento. Nas “domingueiras”,
bandas locais tocavam os sucessos internacionais para a diversão da
juventude, algo comum nos anos 60 e 70, mas que entrou em declínio no
fim dos anos 70 e início dos 80, com a ascenção da Disco Music, seguido
do “boom” do Rock Nacional. Nesses bons tempos, os principais clubes
eram o Círculo Militar, o Esporte Clube Pinheiros e o Harmonia, mas
haviam diversos desses clubes em São Paulo e em outras cidades do
Estado. E adolescentes da classe média passaram a montar bandas para se
apresentar nessas “domingueiras”, cantando covers de bandas badaladas de
então: Beatles, Creedence, Animals, Kinks, The Who, em um longo etc.
Numa época na qual o idioma inglês estava longe de ser facilmente
dominado pelos jovens, as bandas precisavam se equilibrar entre a mera
repetição da pronúncia dos originais ou o bom e velho “embromation”,
mesmo. Isso quando não tinham a sorte de ter como vocalista alguém com
um mínimo de domínio do idioma. Por exemplo, há uma curiosa história
sobre o Pholhas: seus integrantes admitiram que, no início, eles
utilizavam um bizarro método para compor suas músicas, que consistia em
usar frases soltas de um livro intitulado “inglês sem mestre”.
Essa primeira parte do livro pode ser um pouco
confusa, dado a quantidade de personagens envolvidos. Formada por jovens
que dividiam o tempo livre dos estudos para ensaiar e se apresentar, a
maioria das bandas teve vida curta, já que muitos de seus componentes
logo entravam em alguma faculdade e priorizavam a vida acadêmica.
Algumas até ensaiavam voos mais longos, mas acabavam abortados por
problemas entre os componentes, falta de maturidade ou orientação no
meio profissional. Para os que frequentaram essas “domingueiras”, nomes
como Watt 69, Código 90, Lee Jackson, Loupha, Pholhas, Memphis não deve
soar estranho e certamente traz boas lembranças. Muitos chegaram a
gravar discos, a maioria em inglês mesmo, e em alguns casos preenchiam a
lacuna das gravadoras, lançando o cover de algum sucesso estrangeiro
que tocava bem em rádios mas que a gravadora ainda não podia lançar o
original, por um motivo ou outro. Há divertidas histórias de como os
jovens, a maioria sem grande poder aquisitivo para adquirir os
caríssimos equipamentos de ponta, conseguiam emular o som e os efeitos
sonoros das gravações originais na base de improviso e de equipamentos
caseiros, com destaque para os The Buttons, tanto que um de seus
componentes era apelidado de “Professor Pardal”.
Oldies Goldies Made in Brazil
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Como qualquer modismo musical, os ventos mudaram, e
as domingueiras foram substituídas pelas discotecas, decretando o fim da
época de ouro das bandas que lá tocavam. A Disco Music, o Rock Br e
outras tendências também tomaram o lugar das baladas românticas no
espaço do dial. Ao fim do movimento, a maioria de seus expoentes acabou
ainda trabalhando no meio musical, seja produzindo outros artistas ou
servindo de banda de apoio. Muitas das bandas da época das domingueiras
passou a se reunir para tocar em sessões nostálgicas. Uns poucos
conseguiram ser bem sucedidos cantando em português, mesmo. Dudu França,
que fez parte das bandas Colt 45 e Memphis, faria sucesso com o hit “Grilo na Cuca”
e, após um período de sucesso na primeira metade dos anos 80, se
dedicaria ao mercado de jingles. Um tal de Mark Davis, sucesso com “Don’t Let me Cry”
e que vivia fugindo dos repórteres que queriam entrevistar aquela
atração internacional, acaba se tornando galã de novela e cantor de
músicas românticas em português, mas passa a usar o nome de Fábio Jr.
Chrystian, que fez sucesso com “Lies” e “Don’t Say Goodbye”, forma a dupla sertaneja Chrystian e Ralf.
E, claro, há quem ainda esteja na estrada até hoje. O próprio Morris
Albert hoje vive na Itália, e seu último disco gravado, “Moods”, é de
2003. Como seu maior sucesso foi publicado nos EUA, os direitos sobre
essa música lhe garantem uma boa grana, mesmo após ceder 25% dada a
sentença do processo de plágio. Os Pholhas
ainda fazem shows Brasil afora. O carismático grego naturalizado
brasileiro Patrick Dimon ainda se apresenta em hotéis e cruzeiros na
Grécia.
Para os curiosos com esse capítulo peculiar da música
brasileira ou os saudosistas que querem matar a sede por informação
sobre essa época, recomendemos que procurem as gravações dos artistas do
movimento. Encontrar os discos originais é tarefa de colecionador, que
precisa trocar tapas em sebos pra adquirir exemplares raros. Em CD é
mais fácil encontrar tais músicas em coletâneas. No fim dos anos 80 a
RGE e o SBT lançaram a coleção “Hits Brasil” em 4 volumes, e mais
recentemente a Som Livre lançou uma coleção nos mesmos moldes, a “Hits
Again”. E, obviamente, garimpando-se no Youtube, facilmente se encontra
alguma música, além das que linkamos no decorrer do texto. Quanto ao
livro, apesar de ser lançamento recente, você não o verá em livrarias
reais ou virtuais, pois foi lançado pelo Clube dos Autores,
que trabalha com o curioso método de impressão por demanda. Ou seja,
você solicita, eles imprimem e te enviam. Minha ressalva é que há alguns
erros na impressão que denotam a falta de uma boa revisão, que
eliminaria eventuais erros de digitação, frases ou palavras repetidas ou
coisas do gênero, mas nada que prejudique a leitura, principalmente se
você tem curiosidade sobre o tema.
Adorei a reportagem. Quem a escreveu certamente também é fã dessas músicas, e possui uma percepção muito aguda. Parabéns. Ele resumiu de maneira brilhante o que se pasava. Eu me envolvi mesmo nessa pesquisa, que resgata uma parte praticamente esquecida da história de nossa música. Fico contente que aesar de pequenos defeitos, que venho corrigindo a medida em que os localizo. Agradeço os elogios.
ResponderExcluirUm abraço.