sábado, 10 de agosto de 2013

Sabendo usar, não vai faltar!

Por Wolmar Carregozi
MACA HOSPITAL BTodos os dias testemunhamos através dos noticiários de todo o país, a peregrinação da população à procura de atendimento médico, seja em nível ambulatorial ou na rede de atendimento de urgência: os prontos-socorros. As pessoas se deparam com filas homéricas e o mau humor do pessoal que atende: agentes de portaria, recepcionistas, técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos.
O sistema de saúde brasileiro necessita, urgentemente, de uma atuação mais efetiva das autoridades investidas na responsabilidade de fazer com que o SUS cumpra as metas para o que foi criado.
A verdade é que, tudo acontece devido a um comportamento adotado pelos políticos que entrava toda a assistência médica e a torna dificultosa ou até mesmo inacessível a quem realmente necessita.
O resultado disso são os inúmeros óbitos que ocorrem a cada dia; vidas preciosas são perdidas devido à superlotação dos hospitais da rede pública, que tira a oportunidade de pessoas, com casos solúveis, de serem tratadas em tempo hábil e com a dignidade e respeito que merecem.
Tudo começa mais ou menos assim: os postos de saúde municipais fazem o atendimento ambulatorial, ou seja, aqueles casos que podem ser resolvidos sem correria, envolvendo exame clínico, exame físico, pedidos de exames laboratoriais, exames complementares (raios x, ultrassonografia, tomografia computadorizada, eletrocardiograma, etc.).
Nesta modalidade de atendimento há uma maior interatividade entre o médico e o paciente devido às condições de intimidade que o consultório médico oferece, deixando tanto o profissional quanto o paciente mais à vontade. Existe uma ficha em que consta todo o histórico médico do paciente, o que vem a facilitar a evolução do seu caso numa consulta posterior.
Neste contato é detectada, muitas vezes, a necessidade de se fazer um encaminhamento a um especialista de outra área, com um posterior retorno para acompanhamento do caso até o seu desfecho. Assim,  se estabelece uma cumplicidade produtiva.
O atendimento feito no pronto-socorro é mais impessoal e objetivo. Em muitos casos, o paciente está numa situação crítica, com dor, febre, falta de ar ou até mesmo inconsciente. A consulta, muitas vezes, é feita na presença de outras pessoas (pacientes, técnicos de enfermagem, enfermeiras, acompanhantes de outros pacientes, etc.). Há necessidade de se fazer uma assistência mais efetiva, sem muitas perguntas e focar a atenção na sua patologia básica. Isto, muitas vezes é interpretado pelo paciente como falta de atenção, ou mesmo descaso.
Também não há uma ficha com o histórico do paciente, o que impossibilita a existência de qualquer vínculo entre médico e paciente além da consulta ocasional. Assim, após passar pelo pronto-socorro, o paciente deverá retornar ao ambulatório para que seja dada sequência ao seu tratamento.
Apesar de os dois serviços terem suas características bem definidas, a população não faz distinção e acha que o importante é chegar até o médico, não importando que as suas funções sejam diferentes.
O fato de as pessoas não saberem a diferença entre os serviços ocorre por culpa, também, dos políticos que não fazem campanhas para ensinar ao povo a usar o sistema de saúde corretamente e com responsabilidade. Sabemos que após campanhas educativas conseguimos, por exemplo, reduzir o consumo de cigarros e bebidas alcoólicas.
O sexo seguro, usando preservativos, só veio depois de uma conscientização geral. Mais recentemente, temos o combate à dengue que está sendo mais produtivo devido à participação de uma população consciente e em estado de alerta, também em decorrência da publicidade.
No caso em questão, o resultado é que para ser atendido no posto de saúde é necessário tirar ficha de madrugada. Por que não fazer um agendamento durante todo o horário de funcionamento do posto? Facilitaria, em muito, a vida das pessoas. Como no pronto-socorro a ficha é feita na hora, entre ter que pernoitar numa fila de posto é muito mais cômodo ir ao pronto-socorro.
Só os políticos não conseguem enxergar esta situação. Assim, os gripados querendo atestado médico vão sendo atendidos e os infartados vão aguardando na fila do seu iminente atestado de óbito.
Todo ser humano tem um limiar de tolerância. A paciência, o sorriso nos lábios, a simpatia, a empatia, a boa vontade e altruísmo que são os requisitos básicos para se trabalhar na saúde seriam constantes num serviço humanizado, tanto para pacientes como para os profissionais da saúde.
Mas, como ser cortês e gentil, quando um indivíduo mal educado, aos berros exige atendimento urgente para a sua namorada que está “morrendo” de cólica menstrual quando os médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem estão ocupados com uma parada cardio-respiratória? Não que a moça não mereça atenção, porém, neste caso, a prioridade é, evidentemente, outra.
O problema é que brutamontes, “barraqueiros” e adeptos da antipática “carteirada”(geralmente acompanhada pela hedionda frase: “sabe com quem está falando?”), são protegidos por um sistema que tem medo de perder os seus votos. Quando são contrariados, ligam para um amigo, que liga para outro amigo, que liga para o hospital e pede uma prioridade para eles.
O problema da superlotação nos hospitais poderia terminar hoje mesmo, se os políticos dessem autonomia para que o sistema de saúde funcionasse soberano, fazendo bem o que ele é capaz de fazer. Que tal autorizar os prontos-socorros a atenderem somente a casos de extrema necessidade (e isso implicaria em pedir à clientela sem gravidade que procurasse atendimento nos postos de saúde)?
Assim, ficariam nos prontos-socorros apenas os casos que, de fato, merecessem internação hospitalar ou UTI. Porém, para que isto seja implementado será necessário o funcionamento pleno dos postos de saúde, tanto no que se refere a material humano como também medicamentos, material de curativo, vacinas, etc.
Outra situação caótica poderia ser resolvida com o apoio da política:
hoje os pacientes que procuram os postos de saúde já chegam com o diagnóstico pronto, feito por ele mesmo, um amigo, parente ou vizinho. Pedem os exames laboratoriais e encaminhamentos segundo a sua própria vontade.
Se o médico começa a disciplinar por conta própria os seus pacientes, principalmente em cidades menores, não demora a receber um  telefonema do órgão a que é subordinado, pedindo para não desagradar à clientela (implicitamente fazendo referência ao risco de perda de votos nas próximas eleições). Se o médico insiste em seguir a sua consciência, é demitido (sob a alegação, é claro, de outras razões).
Muitos pacientes se queixam de que estão procurando o atendimento no pronto-socorro devido ao fato de nos postos dos seus bairros não ter médico. Esta é, contudo, uma deficiência que deve ser corrigida de maneira prioritária e urgente, pois, também é responsável pelo atendimento caótico à saúde que se instalou no país.
Os exames complementares oneram muito os cofres públicos. 70% dos exames pedidos vêm com resultado normal. Hoje, se o paciente pede para fazer uma endoscopia digestiva, o médico clínico do PSF ou do posto de saúde solicita.
Deveria haver uma determinação de se imputar a responsabilidade de pedidos de exame de maior especificidade aos especialistas. Desta forma, a endoscopia digestiva deveria ser solicitada apenas pelo gastroenterologista, a mamografia pelo mastologista, o eletroencefalograma pelo neurologista, etc. Isto geraria um melhor rastreamento dos casos de real necessidade.
É preciso, portanto, acabar com esta situação tácita, em que tudo funciona em função do voto. Se queremos consertar uma situação devemos atacar a raiz do problema e não adotar medidas paliativas, como a colocação de mais macas nos serviços de urgência ou a criação de novas enfermarias.
Se queremos educar nossos filhos da maneira correta, não diremos sempre sim a eles. Mais tarde, vendo o resultado positivo do poder da sua autoridade, ele reconhecerá que esteve errado e lhe será eternamente grato. Isto também se aplica à questão da saúde.
Devemos dizer não ao atendimento de casos menores no pronto-socorro para que não haja congestionamento e superlotação nos hospitais. Bastaria para isso criar um serviço de triagem feito por médicos e enfermeiros.
Em poucos dias, já se colheriam os frutos de um gerenciamento feito com atitude drástica e sem medo de perder votos. Muito pelo contrário, a própria natureza nos ensina que depois da poda, as árvores ficam mais viçosas e frutíferas.
Atualmente, basta que saiamos de nossas casas e nos dirijamos a um pronto-socorro que, dificilmente, deixaremos de ver uma pessoa gripada recebendo soro numa maca que poderia estar sendo ocupada por um caso muito mais grave e que, certamente, vai estar esperando na recepção.
Ao mesmo tempo, devemos oferecer alternativas seguras de atendimento ambulatorial na rede pública, não permitindo que haja falta de profissionais, assim como o suprimento efetivo de medicamentos na farmácia básica. Isto evitaria o argumento frequente dos pacientes que afirmam só terem procurado o hospital porque o posto de saúde está sem médico, ou só tira 16 fichas, ou está em reforma, ou já encerrou as atividades, etc.
Muitos pacientes procuram os hospitais para a realização de curativos de feridas infectadas. Curativos infectados devem ser feitos, exclusivamente, em postos de saúde, que por sua vez devem ter uma sala destinada só para este fim, com uma porta voltada para a rua, para que o paciente entre e saia de maneira rápida e sem contaminar o ambiente. Nos prontos-socorros só devem ser realizados curativos e suturas em feridas “frescas”, pois ainda não possuem secreção purulenta.
Medidas “cirúrgicas”, como as enumeradas aqui, melhorariam o quadro da saúde de maneira radical. Em pouco tempo a população sentiria a diferença para melhor. Simples, assim! O que falta é vontade e iniciativa política.
*Wolmar Carregozi é ginecologista, obstetra, clínico geral, socorrista e médico do trabalho. Atua em Vitória da Conquista e cidades da região sudoeste da Bahia, Itaguarana S/A- Indústria de Cimento (Nassau) e INB- Indústrias Nucleares do Brasil.

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